Pipa perdida


O metrô está atrasado. Imitando as pessoas ao meu redor, saco o celular do bolso a cada minuto, como se isso
apressasse o tempo. Mesmo dentro da estação faz frio e o meu sobretudo afasta o que o terno não consegue.
Os indivíduos que me cercam, encolhidos em cachecóis e jaquetas, contrastam com o menino que corre em minha
direção. Todos os dias ele aparece, vestindo sua habitual camiseta de super-heróis e uma bermuda lilás. Nas mãos
leva a pipa azul que carrega constantemente. Seus cabelos compridos esvoaçam, como se houvesse uma brisa
carregando-os, uma brisa que me lembra o verão na praia. Ninguém pôde vê-lo e eu tento ignorá-lo, porém, como
de costume, não adianta. Ele ergue a pipa e diz:
– Que tal hoje? Hoje depois do seu trabalho?
Tento não mirá-lo, contudo ele puxa a alça da minha bolsa e sou obrigado a fitá-lo e dizer:
– Já disse que não…
– Ah! Isso foi ontem!
– A resposta continua a mesma.
Ele abaixa a pipa e me encara. Desta vez os pequenos olhos brilham, marejados de lágrimas. Olho para o túnel
escuro, e nem sinal do metrô. O pequeno repete a pergunta de sempre:
– Por que não?
– Não tenho tempo.
– O que é o tempo?
Desta vez fui pego de surpresa. Ele geralmente ia embora depois da minha escusa, e eu não voltava a pensar nele
até o outro dia, na espera do trem. Ele permaneceu, fixando meus olhos como se eu fosse sumir se ele não o
fizesse. Respondo:
– É o período no qual as coisas acontecem.
– Se você não tem tempo, como tem o período no qual as coisas acontecem?
Abri a boca para responder e tornei a fechá-la, antes de realmente ter o que dizer. Passados alguns segundos,
explico:
– Eu quis dizer que sou muito ocupado… tenho trabalhos de faculdade para fazer após chegar em casa.
– E quando se diverte?
Eu ri, mas sem achar graça. Novamente, olho para a escuridão do túnel, depois para as horas no celular. A criança,
ainda me encarando, diz:
– De que adianta rir, se não está feliz?
– Eu sou feliz! – exclamo, agora olhando o rosto do rapaz, já sem conseguir sorrir.
– Você dizia que queria ser bombeiro, lembra? Ajudar pessoas…
– Tínhamos nove anos. As coisas mudam, contas a pagar.
– E para isso precisou se sujeitar a um trabalho que não te alegra e conquistar um diploma que dizem ser o melhor,
exceto você. Comprar coisas que não enchem seu coração, apenas seu ego diante de outros.
Podia ouvir os trilhos assobiarem entre as conversas das pessoas nos celulares, alheias a nós. Observo o túnel,
não suportando a expressão do menino, que fala:
– Sempre vou estar com você, para lembrá-lo quem é, o que te faz feliz.
Queria largar a minha bolsa e segui-lo, empinar a pipa até ela ser escondida pelas nuvens. Então os passageiros
desembarcam do trem recém chagado. Entrando nele, seguro numas das barras e olho pela janela… meu menino
tinha desaparecido quando lembrei: reunião às 10h00.

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